quinta-feira, 1 de julho de 2010

O velho e eu.

Eu estava no balcão do bar , enquanto aquele sujeito me observava.Era um constrangimento sentir aquele vigiar fixo em mim.Era quase uma existência física que conectava o olhar daquele cara à minha nuca!Até que não aguentei mais aquele desconforto e me virei.Deixei minha garrafa de cerveja no balcão e olhando fixamente nos olhos do sujeito ,me aproximei com passos firmes .

-Qual é o seu problema ,meu senhor?Sabia que é falta de educação encarar as pessoas?O senhor me conhece?Eu lhe conheço?
O homem calmamente,sem se levantar e nem esboçar qualquer contração naquele rosto envelhecido e rude,respondeu calmamente ,com uma voz fraca e rouca.
-Eu não estava encarando você...até por que você estava de costas para mim!
-Mas eu pude sentir que desde que entrei nesse bar ,o senhor está me seguindo com os olhos .Isso está me incomodando!
-Lhe peço desculpas se fui tão incisivo ao olhar para você.Não quis mesmo constrangê-lo.
Educadamente o velho se ergueu da cadeira e me fez menção para que eu me sentasse à mesa com ele.
-Sente-se meu jovem...eu lhe pago uma bebida.O que você gostaria de tomar?
Eu me sentia inquieto,mas não quis parecer mais grosseiro do que já havia sido com o homem,que por fim,se mostrou simpático e enigmático.Sem tirar os olhos daquele homem ,me sentei e ,com um estalar de dedos ,pedí ao garçon uma outra cerveja.
-Me desculpe a minha indiscrição e falta de educação.Sei que é um incômodo sentir-se assim observado por alguém.Meu nome é Edgardo Bueno.Muito prazer.
-Tudo bem...me desculpe a forma agressiva com que me dirigí ao senhor...Me chamo Gastón.Gastón Cury.
Apertamos as mãos como dois cavalheiros.
O nome daquele senhor me soava tão familiar...mas de onde poderia conhecê-lo?Sua feição ao contrário,não era conhecida.Até que ele disse:
-Me desculpe se sou demasiadamente franco,mas é que não posso mesmo perder tempo.Preciso lhe dizer algo que vai mudar a sua vida.Me perdoe a pressa...
-Como assim?O senhor me conhece?Eu lhe conheço?
-Deixe-me explicar a situação...Você sabe onde está?E o que veio fazer aquí?
Pensei por um segundo e...de fato,eu não me lembrava como havia chegado até aquele bar escuro e vazio.
-Não...parece ridículo ,não é...não consigo me lembrar de como vim parar neste lugar...e...nem sei bem o que faço aquí...
-Se acalme meu filho.Não tenha medo.Não existe mais nada do que você conhece.Nem tempo.Nem espaço.Nem dores e mágoas.Estamos mortos...eu e você!
O garçon colocou a garrafa de cerveja na mesa,e me olhando de cima esboçou um sorriso aterrorizante.Tudo girava naquele lugar.Não conseguia fixar os olhos em nada.Tudo se deformara,como num filme de horror.Eu estava morto!!Morto...mas...eu me sentia vivo.Tudo parecia real.A música tocando,o cheiro de cerveja velha no chão do bar...tudo.
Eu não conseguia dizer uma palavra ,nem pensar alguma coisa coerente ,e tudo era estranho .Procurei nos bolsos do meu paletó algo que me pudesse explicar como eu havia chegado até aquele lugar fétido.Deveria mesmo haver alguma explicação.Aquele velho estava louco.Era uma piada.Eu me sentia vivo.Vivo.Procurei as horas no relógio,e os ponteiros não existiam .O garçon me olhava.Como quem olha à um novato em seu primeiro dia.Gargalhando em minha mente.O desespero foi aos poucos se apossando da minha alma .Eu queria gritar e sair correndo dalí.
O velho me olhou enquanto pousava sua mão sobre a minha.Tirou do bolso da calça uns trocados e jogou em cima da mesa.Se levantou sem tirar suas mão gélidas de mim ,e me olhando nos olhos disse:
-Serei seu guia aquí.Pra sempre.Você é o homem que violentou a minha filhinha Rebecca.Ela era somente um anjinho,uma criança.E eu ...Eu matei você.E à ela.E à mim também.Fui um covarde por não conseguir olhar os amigos nos olhos,e nem as pessoas na rua!!Eu a culpei pelo que você fez à ela.Afinal,ela era tão linda...tão linda.
Eu fui um covarde.Um monstro.Assim como você.Esse será nosso carma eterno.Ela não está aquí conosco.Você deve imaginar o por quê.Ela era um anjinho.O lugar dela não é aquí .Levante-se.Vamos conhecer a vizinhança.Bem vindo ao inferno.

Enquanto eu saia do bar ,atônito com tudo,ainda lancei um último olhar para o garçon que estava atrás do balcão,olhando pra mim e sorrindo ,girando um pano no interior de um copo...e me olhando...e sorrindo...e aquela música tocando ao fundo numa jukebox...What a wonderful world...

6 comentários:

  1. Sabe uma música que retrata pra mim o "depois"? Hotel Califórnia

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  2. Texto foda. Essa parada de carma eterno tb, eu conheço bem isso...Rsrsrs...;)

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  3. Sensacional!
    Amei esse texto.

    Vc escreve muito bem, parabéns.

    =)

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  4. Basta fazer cócegas em um grilo que ele pula.
    Foi bom atiçar a lenha no fogo, viu como a chama almenta.
    Parabéns, é um lindo texto, para ser sincero um maravilhoso conto.
    Paz ao teu coração e seja feliz.

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  5. Caramba!!!
    Cara, você é fodástico!
    Parabéns!

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  6. Não sei o que é melhor: o Vinny cantor ou o Vinny escritor... meus parabens,cara! grande texto! daria um livro essa história,mas ai perderia todo o mistério,e consequentemente,o encanto...
    melhor deixar como está,rs
    grande abraço!
    PS: caso queria,dá uma passadinha lá no meu blog:
    www.poetaeli.blogspot.com
    é outro estilo,mas talvez você goste...

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